A presença do gado foi, portanto, o principal atrativo para a fixação no solo do Rio Grande. Embora houvesse, de parte do governo colonial, o interesse de povoar a terra e, dessa forma, garantir a sua posse, foi principalmente devido à iniciativa privada dos que procuravam o Rio Grande, e graças à abundância de gado, que o povoamento se tornou possível.
A coroa garantia, aos interessados, a propriedade de um terreno (de dimensões sempre avultadas), mas a dificuldade de subsistência seria problema exclusivo daqueles que se dispusessem a colonizá-lo.
A existência de gado, porém, compensava os prováveis problemas: garantia a alimentação e permitia algum lucro, com sua exportação e a venda de couros. A descrição que Sebastião da Veiga Cabral fez, em 1713, da abundância de gado nas proximidades da Colônia de Sacramento, mostrava a atração que o gado exercia sobre os que se dispunham a mudar-se para o extremo sul do país:
"A inumerabilid'e de gado maior q' produzem aquelas terras, só pode bem explicarse com o dizer-se q' todo aquelle continente está coberto de gado em tal forma q' tirando-se-lhe todos os annos nas vizinhanças mais de 40$ rezes, tanto para a fabrica de couros, q:to p.a o sustento dos povos, se não percebia nunca naq.la parte diminuição alguma".
Essa quantidade enorme de gado interessava também à coroa, como constatava o próprio Sebastião da Veiga, ao afirmar que:
"A fabrica dos couros e cebos, administrada por contracto ou por conta da Real Fazenda lhe dará m.t. gr. de utilidade, sem mais dificuldade q'a amizade dos Charruas facil, como tenho dito, de conseguir e milhor de conservar: com esta se conseguiria abund.a de cavallos, comq' fabricarão os couros q'quizerem, deq'podera perceber 500$ cruzados de renda cada anno, fazendo-se a fabrica como deve ser. Assim o reconheço o Snr. Rey D. Pedro 2º e havia exprimentar, se os acidentes com q' nos uzurpou a Collonia não sustarão a execução, porq'o mesmo Snr. mandava erigir a fabrica referida".
A procura do gado do Rio Grande, entretanto, não surgiu só da necessidade de garantir a posse do solo e das vantagens econômicas do aproveitamento e exportação de couros. Um outro motivo, de grande importância, foi a principal mola propulsora para a busca de gado na região e o povoamento que disto resultou.
Tratava-se da descoberta das minas de ouro de Minas Gerais, que precisavam, com urgência, de gado muar e cavalar para o transporte, e de gado vacum para a alimentação de sua população, que aumentava rapidamente. A região aurífera se encontrava distante da zona de povoamento do Nordeste, onde, em função dos engenhos e plantações de cana, havia se desenvolvido, principalmente no sertão, a pecuária. Foi por isto que se estabeleceu um crescente comércio de gado entre o Rio Grande do Sul e Minas.
Assim, o Rio Grande passou a participar, de forma secundária, da economia da colônia, integrando-se a ela como "fornecedor" das regiões voltadas para atividades de caráter exportador. Este papel seria desempenhado durante uma parte significativa de sua história.
(Por: Lígia Gomes Carneiro, em "Trabalhando o couro - Do serigote ao calçado 'made in Brazil'" - Editora L&PM, 1986
Início do povoamento
O povoamento foi sendo feito a partir da chegada dos primeiros lagunistas, que se fixavam para criar gado. A ocupação do solo se adequava às características da criação de gado, e aos padrões de propriedade rural adotados em toda a colônia: eram doadas grandes glebas de terras a um proprietário, que as ocupava com gado.
Para o trato dos animais, usavam-se alguns poucos homens, livres ou escravos. A estância consolidava-se, aos poucos, como célula básica da vida gaúcha, e o estancieiro, senhor absoluto dentro de sua área, não era apenas responsável pelo cuidado do gado e dos homens sob suas ordens; também se encarregava da defesa do solo, garantindo sua posse à coroa portuguesa. Numa região permanentemente em conflito, a estância iria desempenhar o papel de defesa, de sobrevivência, de segurança, e seria a marca da presença portuguesa no Rio Grande do Sul.
Poucos anos após a chegada dos lagunistas, que organizaram a criação e o comércio de gado com as demais capitanias, uma leva de imigrantes açorianos foi dirigida para o Rio Grande com a intenção de povoar a região que anteriormente havia sido ocupada pelas Missões Jesuíticas.
O grupo era formado por casais de pequenos agricultores, enviados a fim de desenvolver a agricultura. A primeira leva, chegada em 1740, iria se fixar na hoje Porto Alegre, devido à dificuldade em alcançar a zona das Missões.
Aí, em pequenas propriedades, plantariam principalmente trigo. Apesar das atribulações iniciais, a cultura do trigo acabou por ter sucesso, e durante um certo período da história gaúcha, contribuiu de forma expressiva para a balança de exportações.
Porém, o grupo de açorianos formava um enclave de pequenos agricultores no meio de uma província dominada pelas grandes propriedades, onde havia pouco mercado para os produtos de sua lavoura. Além disto, sucessivos ataques de ferrugem, que diminuíam consideravelmente a produção de trigo, fizeram com que os açorianos fossem aos poucos abandonando a agricultura e se integrando à economia baseada na pecuária que regia a vida local. O gado venceu, e o Rio Grande continuou a ser por algum tempo a terra dos conflitos de fronteira e da pecuária. (Mais informações sobre a colonização portuguesa).
(Por: Lígia Gomes Carneiro, em "Trabalhando o couro - Do serigote ao calçado 'made in Brazil'" - Editora L&PM, 1986)
O início da indústria do charque
Já na proximidade do final do século XVIII, em 1780, um outro acontecimento marcou, de forma definitiva, a dependência da economia da província em relação à pecuária: criou-se a primeira charqueada de caráter comercial na região de Pelotas.
Aos poucos, o charque (seguido do gado vivo e do couro) se tornou o principal produto de exportação do Rio Grande. Usado na alimentação dos escravos e das camadas mais pobres da população, o charque era enviado principalmente para os demais portos brasileiros. O couro, por sua vez, encontrava seu principal mercado nos portos estrangeiros, em especial da Europa, para onde era remetido seco ou salgado, a fim de ser processado.
Assim, o século XVIII significou, para o Rio Grande, um período de formação e consolidação de uma estrutura baseada na pecuária, que atendia aos interesses das zonas mais desenvolvidas do país, com a exportação de gado e charque, e de Portugal e outros países europeus, com a exportação de couros.
A economia, voltada para o gado, que garantia o fornecimento de outras regiões e a posse do solo por parte da coroa portuguesa, dava também origem a uma elite local, formada por pecuaristas e proprietários de charqueadas, que viveria, ao longo de sua história, uma contradição peculiar: se na província tinha poder e influência, nem sempre o mesmo acontecia em nível nacional, onde os interesses agrícolas, ligados às áreas de grandes lavouras, muitas vezes iriam contra aqueles defendidos pelos grupos de expressão política (e econômica) do Rio Grande do Sul.
Dessas diferenças nasceram vários confrontos, fazendo com que, até o século XX, o Rio Grande fosse uma região potencialmente problemática não só pelos conflitos de fronteiras com outros países, mas também pelos problemas de suas elites com os grupos de comando nacionais. (Mais informações sobre a colonização portuguesa).
(Por: Lígia Gomes Carneiro, em "Trabalhando o couro - Do serigote ao calçado 'made in Brazil'" - Editora L&PM, 1986)
Olha só tenho a te agradecer, pois tenho um teste de História sobre esse assunto. teu blog caiu como um prêmio do céu.
ResponderExcluirSou Baiano e moro desde 1992 no Rio Grande do Sul, amo esse chão.
ResponderExcluiratualmente sou coordenador da Semana Farrapa, no meu Município, Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre; e este ano vou inserir nos festejos um projeto temático, no qual se baseia , na história do povoamento do rs e suas luta; uma releitura da história gaúcha, junto com todas as escolas municipais.
Já iniciamos um ciclo de palestra informativas, para futuras discursões e entendimentos.
Não poderíamos deixar de visitar o teu blog.
se quiser colaborar com o projeto, aceitamos.