"Paixão desde guri"
O escritor e jornalista Carlos Urbim, conterrâneo do célebre folclorista, revive a infância do menino João Carlos, já atento àqueles tempos para os pequenos requintes da vida doméstica e as manifestações culturais do povo rio-grandense.
Por Carlos Urbim.
Escritor e jornalista, autor de Um Guri Daltônico, entre outros livros
Ao preencher os espaços vagos no álbum Nosso Bebê, comprado havia meses na Livraria A Predilecta em Bagé, Dona Maria Fátima D"Ávila Paixão caprichou na caligrafia. Na página da dedicatória, chamou o marido, que assinou Julio Paixão Côrtes no lugar destinado ao papae. Com carinho e cuidado, a mãe registrou os dados na página sobre o nascimento: às três da madrugada do dia 12 de julho de 1927, na casa número 101 da Rua Rivadávia Corrêa, nasceu em Santana do Livramento uma criança do sexo masculino, pesando quatro quilos e medindo 59 centímetros. tia página sobre as roupinhas, com muitas linhas para o rol, Dona Fátima declarou com econômico orgulho: o bebê, ao nascer, já possuía o enxoval completo.
Entre os casacos, mantilhas e sapatinhos tricotados, estavam também a certeza de uma infância feliz e a paixão que começou desde guri. Na esquina da Rivadávia com a Rua Uruguai, entre a casa dos pais e a dos avós maternos, o menino João Carlos ouvia todos afirmarem: foi bem aqui que o argentino José Hernández, depois dos entreveros da Guerra do Paraguai, começou a declamar os primeiros versos do célebre Martim Fierro. Nada melhor para um moleque curioso, que um dia entregaria a vida à pesquisa da cultura popular.
O monumento também foi pequeno:
Paixão Côrtes com apenas quatro meses
Os pátios das duas casas - imensos - eram interligados. Em torno do poço, os jardins e a horta com abóboras, alfaces, couves, repolhos, nabos, beterrabas e cenouras. Mais adiante, o pomar com laranjas, pêssegos, uvas, bergamotas, limas, abacates. Tão grandes eram os pátios que o pai, técnico de ovinocultura da Secretaria da Agricultura, trazia cordeirinhos quando voltava das viagens de inspeção. Eram os bichos de estimação do guri que, adulto, enveredaria pela mesma profissão e se tornaria expert na classificação de ovinos.
Está no sangue, qualquer Ávila gosta de tocar um instrumento, cantar e dançar. Tem sido assim desde os primeiros que vieram do condado de Ávila, em Portugal. O avô, João Pedro Rodrigues Ávila, alto, moreno, bigodudo, tirava da gaita de oito baixos rancheiras e polquinhas de limpar banco. Foi repassando para o neto o gosto pelos ritmos e pelas coreografias das danças campeiras. E o piá herdou ainda a predileção por bigodes imensos, que se tornariam uma característica.
Bem que João Carlos tentou. Foi, durante dois anos, aluno assíduo e esforçado nas aulas de piano da Dona Mosquita. Aprendeu a ler partituras e a aprimorar o ouvido, lições que aproveitaria para sempre, mas desistiu de ser pianista. Nas festas dos Ávilas, passou a cantar e dançar. E o interesse pelas indumentárias pode ter nascido numa fusão cultural só possível no Carnaval: quando tinha cinco anos, usou pela primeira vez pilchas gaúchas. E lá se foi ele para o baile infantil de chiripá, lenço, bombacha, bota e chapéu virado na testa. Se tivesse na mão um laço, em vez de pacotinho de confete e bisnaga de lança-perfume, não seria o esboço inicial de uma estátua?
O gosto pelos detalhes, pequenos requintes da vida doméstica e as manifestações culturais do povo rio-grandense, tudo com o jeito artístico dos Avilas, vem junto desde a Rua Rivadávia Corrêa. Baixinha, delicada, a avó espalhava aromas de essências pela casa. No banho, jamais esfregava o rosto de maçãs largas, para conservar a pele cor de cuia. Habilidoso, o avô sentava na frente de casa para esculpir palitos. Espalhava na calçada pedacinhos de sarandi bem maleável e, com faca afiadíssima, moldava centenas de palitos. Os prontos iam para caixas de chá da índia. Não havia visita que não saísse com uma caixinha de presente.
Quem é Ávila tem olhos vivos, contornados por olheiras। De tanto querer ver tudo. Movido por essa paixão, o guri de Livramento se mudou para Uruguaiana, onde foi escoteiro e craque de basquete. Quando estava mais taludo, veio de muda para a Capital, como aluno do internato do IPA. E aquele pimpolho do álbum Nosso Bebê um dia virou modelo de monumento, esculpido por Antonio Caringi. Adulto, chegou a 1m82cm. Mas a escultura de bronze inaugurada em 20 de setembro de 1958 na porta norte de Porto Alegre tem 4m45cm de altura, pesa 3,8 toneladas e está sobre um pedestal de granito de 2m10cm. De bom tamanho para quem nasceu com quatro quilos e 59cm.
O folclorista Paixão Côrtes, personagem decisivo da cultura gaúcha e do movimento tradicionalista no Rio Grande do Sul é o 16o entrevistado de Passado Presente, série que revista a formação do pensamento crítico contemporâneo no Estado
É realmente uma pena que o jornal não tenha som, porque a entrevista que se vai ler ganharia muito se fosse acompanhada do verbo vivo do entrevistado. João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes é uma figura inesquecível em vários sentidos, incluindo o sentido da audição: as pausas, as ênfases, as exclamações, as suspensões, os "Bá" alongados, a entoação para acompanhar a referência a uma antiga canção, tudo isso é irrepetível na folha de papel.
Um pouco assim, inapreensível, é o valor e o alcance da obra de nosso entrevistado. Nascido a 12 de julho de 1927, em Santana do Livramento, de pai agrônomo e mãe dotada de boas qualidades musicais, Paixão Côrtes parece ter sintetizado essas duas marcas - formou-se em Agronomia também, e é artista também, não do canto mas da dança - e ao mesmo tempo parece haver ultrapassado os limites do que se poderia esperar de alguém com sua história. Por quê? Porque ele é um dos sujeitos diretamente responsáveis pelo nascimento da atual voga gauchesca. "Um dos" é muito pouco: Paixão Côrtes é um dos dois formuladores e animadores decisivos do movimento tradicionalista gaúcho - o outro é o falecido Luiz Carlos Barbosa Lessa, a quem nosso entrevistado se refere como "o Lessa", um sujeito quieto, com pendor literário e intelectual, de alguma maneira o oposto complementar de Paixão, mais arrebatado, mais homem de ação e iniciativa.
A estrada foi longa e cheia de percalços. Começa, talvez, na vivência campeira. Segue na experiência de peão, desempenhada todas as férias, em contraponto com a vida escolar urbana em Santana, Uruguaiana e Porto Alegre, sucessivamente. Continua, quem sabe, na dura passagem em que perde o pai e precisa trocar o colégio privado pelo público, o diurno pelo noturno, a vida relativamente inconseqüente pelo trabalho. Deslancha, a partir de 1947, quando se junta com amigos igualmente interioranos e saudosos da vida agauchada (entre os quais Lessa) e com eles literalmente inventa uma tradição: a de fazer vigília de um fogo tirado à Pira da Pátria, que arderá dali por diante pela imaginária, afetuosa, desejada "pátria" sul-rio-grandense.
Paixão Côrtes e Barbosa Lessa partem para a pesquisa de campo, para recuperar traços de cultura popular local eventualmente sobreviventes à avalancha da cultura norte-americana, quer dizer, estadunidense, que, vitoriosa na II Guerra, cobrou um preço alto das neocolônias. Paixão e Lessa, expressando ativamente o mal-estar do momento, partiram para a ação, viajando pelo Interior para salvar o passado da intensa voragem novidadeira. Estava sendo gestado o lado cultural-popular do tradicionalismo, antes mesmo de a palavra "folclore" entrar no discurso de todo mundo.
Paixão Côrtes não se limitou a isso. Serviu de modelo para a estátua do Laçador e foi garoto-propaganda televisivo, nos primórdios do veículo, vestido à gaúcha quando isso era ainda uma esquisitice. Organizou o 35 CTG, liderou grupos de música e dança, viajou à Europa como artista, fez e aconteceu. Poderia estar calmamente, agora, curtindo as glórias de sua intensa vida. Mas não: parece mais ativo que nunca, insatisfeito com certos aspectos do tradicionalismo. Ele diz que a coisa está muito amarrada, embretada, com pouca variação.
A sensação que fica é de que mais três dias de entrevista ainda não seriam suficientes para ouvir tudo o que ele tem para contar। Mas o espaço é finito, e o foco desta entrevista, realizada em sua casa, em Porto Alegre, foi o período de gestação deste fenômeno absolutamente impressionante que é o mundo do tradicionalismo, dos CTGs, da identidade cultural gaúcha, que ele ajudou a estabelecer. Vida e obra associadas fortemente, as de Paixão Côrtes, um sujeito da maior relevância para entender nosso tempo.
Senhor da linguagem e do vento
Jayme Caetano Braun morreu ontem aos 75 anos
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES
(foto Banco de Dados/ZH, 17/3/83) |
Cuerpo presente, alma ausente. Yo quiero aqui los hombres de a caballo, como Lorca diante do corpo inanimado de Ignacio Sanchez Mejía, buscando la salida para este capitán atado por la muerte.
Jayme Caetano Braun chegou deitado como dormido em seu esquife de dura madeira campeira. Pilchado, como convém aos que se vão de tropa estrada afora, tinha um lenço maragato atado no pescoço. Ele, o Chimango, que herdara o seu lenço branco do ídolo, o coronel Laurindo Ramos, na Bossoroca. Falei com dona Bréa, a companheira terna, a indiazinha que lhe devolvera o gosto das Missões.
– Na hora não achei o lenço branco, nem a boina branca de que ele tanto gostava.
Tirei o lenço branco dos Fagundes do meu pescoço e ofereci o velho gonfalão para que acompanhasse o poeta na última tropeada. Com a ajuda dos companheiros, trocamos o lenço colorado (que ele usou, por companheirismo, algumas vezes nos últimos tempos) pelo lenço branco, que sempre foi dele, que lhe deu o apelido carinhoso entre os amigos: Chimango. Mas aí chegou o governador Olívio Dutra, seu amigo e seu conterrâneo dos tempos em que a Bossoroca pertencia a São Luiz Gonzaga, e alguém achou que o poeta podia levar os dois lenços, que ele cantou em Branco e Colorado: “Até Deus Nosso Senhor, que usou bota, espora e mango, lhes garanto que é Chimango – se Maragato não for!”.
Jayme Caetano Braun, o mais gauchesco dos nossos poetas, o missioneiro de espinha dura, mestre da payada arrocinada, senhor da linguagem e do vento, o último grande de uma progênie de grandes, partiu. O Rio Grande do Sul ficou menos grande.
Os nomes mais famosos do gauchismo, da cultura em geral, estavam lá, hieráticos. A gente tem a impressão de que algum Deus campeiro esculpe em cedro das Missões cada um dos que vão caindo, para compor uma galeria sagrada para o altar do pago. Aqueles homens e mulheres que choravam em silêncio no Salão Negrinho do Pastoreio (o espaço mais nobre do palácio do governo gaúcho homenageia um negrinho humilde, escravo dos nossos campos, que coisa, hein, Chimango?) pareciam ter essa consciência. Eram, mais que admiradores do poeta, devotos de uma crença xucra, meio santa, meio pagã. Davidson Labrea, a meu pedido, comandou um Pai Nosso, ocasião em que todos se deram as mãos. A emoção era tão espessa que podia ser cortada a faca! Ary Fernandes Gonçalves (por quem ele perguntou na última entrevista que me concedeu) declamou Tio Anastácio, e tinha gente que chorava de fazer barro. Declamadores e declamadoras iam deixando sua derradeira homenagem ao poeta querido. Os mestres de truco do Pitoco guardaram uma flor de espadas no caixão do mestre-companheiro que partia.
Quando o caixão foi retirado do palácio, para a última viagem, a temperatura baixara perigosamente e um minuano uivava em volta, como um cachorro louco. Fazia frio, de repente, e o céu estava chumbado. Deus Nosso Senhor tinha decretado luto para o Rio Grande inteiro.
Na viatura da funerária que transportava o grande morto, havia um decalco dizendo: “Ah, eu sou gaúcho, tchê!”. Na hora, parecia mais um lamento.
“Nós todos nos sentimos órfãos. Jayme Caetno Braun foi um manancial, cacimba da mais pura manifestação de nossa cultura.” Olívio Dutra, governador do Estado |
“O mestre dos payadores. Jayme é o símbolo máximo do gauchismo. Perdemos o convívio, mas o Jayme se eterniza.” Eraci Rocha, presidente do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IGTF) |
“Jayme Caetano Braun sempre guardava para arremate um desfecho inusitado. Ele participava do milagre da criação.” João Sampaio, compositor |
“ Só posso dizer do enorme vazio que ele deixa. O grande divulgador da payada parte sem ter tido um continuador.” Barbosa Lessa, escritor |
“O Jayme se constitui no panorama da literatura gaúcha como um dos mais expressivos da temática nativa. Ele englobava os grandes problemas universais e não se restringia a assuntos galponeiros. O Jayme, embora se dissesse um nativista, era um grande versejador. É um dom divino colocar o tema da terra nos questionamentos universais.” Paixão Côrtes, folclorista |
“Quem partiu agora não foi apenas um homem, mas uma bandeira de cultura. Jayme foi um homem ímpar. Me sinto honrado de ter sido contemporâneo dele. Estou sozinho. Como se tivesse perdido uma das coisas mais importantes da minha vida.” Lúcio Yanel, músico |
“Era o grande timoneiro do movimento gaúcho. O que tinha que dizer, ele dizia.” Telmo Tartarotti, diretor da Rádio Liberdade FM |
“Eu choro o homem. O que me deixa mais triste é que o meio artístico não produz mais homens como ele. Era um poeta destemido, corajoso. Ele reivindicava com a poesia. O Jayme Caetano Braun é como o Chico Buarque: me diz uma música ruim do Chico Buarque. O trabalho dele é pautado pela linguagem poética, ele nunca apelou. Até nas brigas de baile tem riqueza. É uma lenda. Não vai ter outro. Era um poeta cidadão, agia através da arte. Era um homem isento, independente.” João de Almeida Neto, músico |
“O Jayme Caetano Braun não está na Academia Brasileira de Letras porque o regionalismo gaúcho não é aceito em todo o Brasil, como é o regionalismo do centro do país. Ele foi muito grande. Sabia dizer as coisas como todo gaúcho que conhece as lidas do campo.” Alex Hohemberger, diretor da Gravadora USA Discos |
“Quando comecei no tradicionalismo, na invernada artística do CTG 35, nas apresentações eu declamava o Bochincho. Desde cedo aprendi a ler os livros do Jayme. Todo gaúcho o tem como o maior poeta do Estado.” Renato Borghetti, acordeonista |
“O maior poeta que esse Estado teve, ao lado de Aureliano de Figueiredo Pinto. Ele nos deixa uma obra extensa.” Rui Biriva, músico |
“O Jayme é referência para todo aquele que milita no Rio Grande do Sul. Foi o grande poeta que tivemos. Payador é o Jayme Caetano Braun e mais ninguém. Era uma pessoa radical na forma de pensar, sem abrir mão do que pensava.” Leo Almeida, músico |
“Jayme foi um dos maiores poetas da nossa terra. Sua morte representa uma perda irreparável para o Rio Grande do Sul. A preocupação com os pobres e a indignação com a exploração das elites foram a sua maior fonte inspiradora. Particularmente, perdi um amigo, um parceiro e o padrinho de batismo.” Pedro Ortaça, músico |
Senhor da linguagem e do vento Confira a poesia de Jayme Caetano Braun | O mais se perdeu nas noites de galpão MARCELO MACHADO Ele foi alambrador, tropeiro e curandeiro. Um artista missioneiro que fez da sua região o seu mundo. Da sua aldeia, uma pátria. Aos amigos, Jayme Caetano Braun costumava dizer que não era um poeta, apenas um payador. Nascido em 1924 em Timbaúva, distrito de São Luiz Gonzaga (hoje Bossoroca), o autor dos clássicos Bochincho, Galpão de Estância, Tio Anastácio e Galo de Rinha morreu às 5h30min de ontem, na Clínica São José, em Porto Alegre, vítima de complicações cardiovasculares. Morreu depois de receber quatro pontes de safena, enfrentar problemas de depressão e tentar o suicídio. Seu corpo foi velado no Palácio Piratini. Há tempos Jayme Caetano Braun não recebia os amigos. Perdera o gosto pela vida. Padrinho de muitos artistas, chamava-os de filhos, contava causos, fumava um charuto, fazia um mate, abria um sorriso. Adorava reculutar lembranças. Dizia o que tinha vontade de dizer, gostassem ou não. Lia jornais de diferentes lugares do mundo. Era um especialista em remédios caseiros – afirmava que todo missioneiro tem a obrigação de ser um curador. Sonhava fazer Medicina. Sem completar o Ensino Médio, acabou se tornando um autodidata. Sua imensa cultura foi apurada no período em que ocupou o cargo de diretor da Biblioteca Pública do Estado, entre 1959 e 1963. Especializou-se em décimas (poemas com estrofes de 10 versos). Os poemas, que começou a escrever piazito, por influência da família, foram publicados em vários livros. O primeiro, Galpão de Estância (1954), trazia versos de temática campeira, quase sempre dedicados a objetos do universo do homem da Campanha: relhos, chilenas, laços, carretas. Jayme foi um dos fundadores da Estância da Poesia Crioula, grupo de poetas tradicionalistas que se reuniu no final dos anos 50. Sua memória era uma arca sem fundo, que ele jamais se importou em trazer para a cidade. – Seus livros nada mais são do que instantâneos de algumas notas que o autor conservou – disse a seu respeito o poeta Balbino Marques da Rocha. – O mais se perdeu e se perderá nas noites de galpão. Jayme Caetano Braun era um artista polêmico, radical ao defender seus pontos de vista. Chegava a criticar quem ousasse tratar de um tema por ele já abordado. A tudo, porém, respondia com versos. Comparado a um corvo, numa referência a seu gosto por roupas escuras, respondeu certa vez: “O corvo é uma ave higiênica, que limpa todos os campos”. Escrevia sobre a cena campeira. Descrevia o Rio Uruguai, o domador de cavalos, o fogão da campanha, a religiosidade do gaúcho. Apaixonado pela cultura platina, costumava dizer: – Isso aqui é um pampa só. Para ele, brasileiros, uruguaios e argentinos são “piedras del mismo camino / aguas del mismo caudal”, como escreveu, em espanhol, em sua Milonga de Tres Banderas. Em seu panteão, Osório reunia-se a Artigas e San Martín. O gaudério anônimo de Bochincho era irmão de Martín Fierro, do Viejo Pancho, de Santos Vega e de Blau Nunes. Radialista, sua obra se espalhou pelo Brasil afora. Minas Gerais, Ceará, Pernambuco e Goiás são alguns dos lugares que têm CTGs com seu nome. Lançou discos e foi gravado por diferentes intérpretes nativistas. Uma coisa é certa: Jayme Caetano Braun foi inimitável. Sua arte era única, ninguém como ele fazia uma declamação improvisada com uma milongueada de violão. O destino fez com que morresse um dia antes de seu novo CD ser lançado. Hoje, como previsto, Êxitos 1, gravado há um ano e meio, chega à gravadora Usa Discos e segunda-feira, às lojas. O lançamento havia sido adiado porque Jayme queria estar em melhores condições de saúde. A voz do payador está aprisionada para sempre nos registros de estúdio. Para que sua emoção vibre, porém, basta que um declamador, em noite de lua e violão, quebre o silêncio com versos como “A um bochincho – certa feita, / fui chegando – de curioso, / que o vício – é que nem sarnoso, / nunca pára – nem se ajeita”. A partir desse momento, o poema correrá como um olho d’água. Afinal – como ele garantia –, para escutar payadores, até o silêncio se cala.
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